sábado, 18 de novembro de 2006

Ensino de instrumentos tradicionais

A EMtrad’ - Escola de Música Tradicional centra em Águeda a oferta formativa que promove localmente o ensino de instrumentos tradicionais. Com resposta abrangente, procuram a EMtrad’ alunos de todas as idades para formação – com a concertina em primeiro plano -, garantindo o compromisso pedagógico de iniciação para jovens músicos da cidade e do concelho, num modelo de ensino regular que vinga desde que existe a d’Orfeu.

A par da forte presença da concertina na oferta formativa da Escola de Música Tradicional, são ainda aposta a viola braguesa e a rabeca, entre os outros cordofones tradicionais como o cavaquinho ou o bandolim. Novidade recente é o ensino de gaita de foles, estando disponíveis tanto a iniciação como o nível avançado.

Ganha também necessariamente impulso a formação de instrumentos tradicionais dirigida para os Grupos Folclóricos (à imagem do que acontece com a oferta formativa dos Conservatórios junto das Bandas Filarmónicas), seja para a formação regular de jovens músicos, seja a realização de ateliers com as tocatas, acção que a d’Orfeu tem desenvolvido em inúmeros concelhos da região centro.

O ensino da música tradicional na d’Orfeu continua, através dos seus resultados, a comprovar os méritos de uma acção pedagógica virada para a vivência prática da música e para os processos dinâmicos de reinvenção do património musical tradicional, num contexto nacional de total ausência desta matéria nos programas pedagógicos oficiais, que a d’Orfeu pretende combater com a implantação da EMtrad’.

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Orelhudamente

“E quando descem as trevas sobre a nossa miséria, se não dispusermos de pena, nem de graveto, nem de tinta nem de água, ainda assim escreveremos a História riscando com o indicador o ar que respiramos.”
Mário Cláudio

A Mário Cláudio pedi as palavras. E se em vez de História escrevesse Águeda, agigantava-as nas paredes da d’Orfeu.
Quem esteve no Gesto Orelhudo entende. Sabe que o festival atravessou idades, públicos, gostos, artes. Tocou economicistas e intelectuais entre aspas, rótulos com que os dois grupos costumam mimosear-se, inquietou intelectuais sem aspas, aquietou partidários, apaparicou os assim assim, deu trabalho a jornalistas e cronistas (onde estavas, Manel Antunes? E tu, Luísa?), acalorou os que não querem saber de etiquetas para nada, os deslumbrados como eu, os que resistem à chuva, ao calorzinho da pantufa e aos xaropes televisivos.
Trouxe os meus alunos. Os dos primeiros anos, eu menina e moça, os a seguir, os de hoje, a Ana Rosa, a Margarida, a Joana, o Hugo, o Ricardo, o Paulo, o João, e todos os outros, os de todas as letras do alfabeto. E com eles os abraços. Perdoem-me, isto não era para se escrever. E trouxe os nossos vizinhos. Os de Aveiro, os da Holanda, os da Itália, os de Tondela, os dos Açores, os de Casal d’Álvaro, os da minha rua, os das nossas ruas. Trouxe meninos de todas as idades. “É pá, foste ontem ao Gesto Orelhudo?” perguntava, na Praça do Município, um ciclista a quem tiraram há pouco as rodinhas traseiras. O amigo esbugalhou os olhos, aparafusou o ouvido e quis saber. “Hã?” “É pá, não viste o palhaço do combóiinho?” E porque o meu tempo andava a correr, perdi as palavras e os gestos que hão-de ter deixado um gostinho a pena no menino do “Hã?”. Uma pena como a nossa, a saber a pouco, uma saudade de todos os Gestos, que hão-de marcar a fogo a nossa cultura. Um Malhão do futuro.
Entre a magia do começo, da luz e da alma dos mineiros, e o aplauso do fim, a d'Orfeu escreveu Águeda a letras de gigante. E Águeda cantou a sério. A rir. A aplaudir. Com cheirinho a OuTonalidades. Debaixo daquela laranjeira ... de um chão ainda d'Orfeu.

Odete Ferreira

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Sons do Adro na festa do leitão

Ao cantar à desgarrada
Meu amor perdeu a voz
Comeu leitão da Bairrada
Cantou por ele e por nós

Tararararararim, tararararararim, tararimram, tararararararim…
(Experimente o tom do Malhão e cante também!)
E as vozes de toda a gente a cantar e os corpos a abanar e as meninas de tantos olhos a rasarem-se de água e o amor a assomar e a esconder-se e rabecas e guitarras e concertinas e bombos e ferrinhos e vozes e aquele mar de gente, se calhar até o leitão ainda vivo, Tararararararim, tararararararim, tararimram, tararararararim… A seis de Setembro, na 1º de Maio, em Águeda, na Festa do Leitão.
Só Associações eram seis. Cinco em palco e uma no terreiro. Ora conte: Cancioneiro de Águeda, Conservatório de Música de Águeda, d’Orfeu, Orfeão de Águeda, Orquestra Típica de Águeda e o Público, que teria saltado para o estrado, se nos tivessem dado esse gostinho. Ali, um mar de artistas, de tocadores, bailadores e cantadores. Do lado de cá, uma boa casa de gente de fora e de dentro. Sem muros. Uns remexiam o pé, tanto que a minha vizinha da frente deu uns passos pra trás e deu-me uma canelada valente na Real Caninha. Outros castanholavam as palmas. Até o miúdo que rezingava, eu quero uma voltinha nos carrinhos, nã, nã, nã, eu quero uma voltinha nos carrinhos, nã, nã, nã, levou uma palmada da mãe. Toma lá que já almoçaste! A minha vizinha do lado gargarejava, “a amostra do pano é um retalinho, a amostra do pano é um retalinho”, quando, a meu ver, se lhe deslocou uma corda vocal e tive de a sacudir, senão ainda estragava o solo do Luís. Eu cá por mim acho que o público devia ter um maestro. Que nos harmonizasse os frenesis.
Haja um pouquinho de ordem no texto.
Ora bem. No fundo do palco, em pé, cantava o Orfeão, associação centenária, e ex libris de Águeda. Alguns elementos do Conservatório de Música, a Orquestra Típica e a d’Orfeu juntavam-se, sob a mesma batuta. Um atrevimento! Um encantamento! Agora o Cancioneiro, no estrado rente ao público, leve e perfeito, numa dança quase sem gravidade. A Susana a acordar a noite. Agora a Orquestra, bem ao centro, olhos postos no maestro a comedir aquele cachão de música. Depois a d’Orfeu, naquele desfile da cantiga antiga com perfume de outros sons, como um improviso de blue em boca de realejo.
As figuras políticas de relevo estiveram de pé, no meio do povo. Como deve de ser, diz esse povo, assim honrado por estar ao pé de um Ministro que, disseram-me depois, cantou o “Ó ti, ó tirititi, você diz que não, eu digo que sim”. Eu juro que não ouvi!
Se calhar estava naqueles momentos em que criei um nevoeiro para tudo que não fosse palco. Só ouvia os pés no tablado. Só reparava naquele arranjo de vozes, naquela harmonia de acordes, na ordem daquela orquestra agigantada, naquela réplica perfeita do Orfeão à d’Orfeu, naquele desafio entre a voz dos instrumentos e a voz do corpo, naquele sorriso gigante que soprava no palco, onde nada era dissonância. Naquele palco onde o folclore de Águeda não era património de ninguém, mas voltou a ser de todos. Por isso o público era de todos. Avós, pais, tios, filhos, primos, cunhados, sogros, padrinhos, gente de todas as afinidades e afinações, sentiram esta terra que há-de continuar a musicar a vida, mesmo que seja em cima de brasas.
Depois do Malhão, o público pediu mais e no fim uma troca de aplausos entre as seis associações, a festejar o reencontro.
E vim por aí acima, a ouvir a minha amiga, que repetia um discurso que parecia novo, “este espectáculo não pode ficar por Águeda. Isto é música do mundo. É também este património que temos de vender. São estes artistas que cantam e dançam Águeda em arraiais e casas de cultura. Espero que o poder os apoie e a Senhora do Livramento lhes acuda!” É que eleitos também são eles, os artistas. Os que aplaudimos nesta e noutras noites que aí vêm. Os que nos fazem levantar os braços e as vozes. Os que nunca nos defraudam!
*À pergunta: “O que é a felicidade”, uma mulher africana respondeu: “A felicidade? É a chuva.” No palco, se olhássemos bem a entrega, o riso, a paixão, havíamos de ouvir tantas vozes:
“A felicidade? É a música.”.

*Contou Madalena Barbosa, jornalista do Público, a 7 de Setembro de 2006.


Odete Ferreira

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

“l burro i l gueiteiro”

3 de Agosto, Sendim, planalto mirandês. O vento vai arejando uma noite suada e modorrenta. No meio da povoação, um palco promete festança. A Casa da Cultura, e o restaurante “Gabriela”, o da afamada Posta, já afreguesados de outras folias, aprontam-se para o arraial. Igreja e banco, de portas fechadas, vão consentindo a arruada. Dá-se o caso de estar a chegar ao fim a IV edição do passeio “L Burro i L Gueiteiro” – em língua mirandesa –, organizado pela Galandum Galundaina – Associação Cultural e a AEPGA – Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino.
Aguardam-se os burriqueiros que, ao longo de três dias, palmilharam, ao som da gaita, caminhos e lameiros das terras de Miranda. Homens de Sendim, de chapéu na cabeça e riso já na confiança, vão casquinando estas coisas da rapaziada. Ora o que haviam de se alembrar! De querer que os asnos se multipliquem! Num lembra ó diabo! Ora uma destas! As mulheres de Sendim vão olhando esta genteada amiga, lá da cidade, que por aqui se vai multiplicando, uma vez no ano. Que venham, que venham, a gente sempre regala a vista e dá uso ós burros! Mata-se a sede da espera com a cerveja da esplanada ou de uma barraquita de angariação de fundos. Só quando chegarem os foliões, é que se há-de inaugurar o arraial com os Toques do Caramulo. Entretanto, a criançada vai-nos impingindo canivetes multifunções de Palaçoulo. Outros folgazões vão-se aconchegando nos degraus da igreja, que o festejo há-de ser de racha ó pessegueiro. Um casal turista de Lisboa comenta que ouviu falar do passeio de burro, na rádio. Coisa importante! Quase tão falado como a “bosta mirandesa”, brinca um criativo. Pena que o casal já não chegue a tempo de se inscrever na burricada. Uma mulher, de bigode quase farto e lenço a cobrir-lhe a cabeleira em extinção, cansa-se do ensaio de som. Talvez fosse melhor um bailarico de realejo, a repenicar as modinhas do seu tempo. No palco, informa-se profusamente que “há muitos burros, mas estes estão em extinção”. Que me desculpem os concertistas da noite, mas pus-me a cogitar, se a informação se referia apenas aos jumentos. É que derivado ao estado das coisas da cultura, não sei se não será de se constituir uma Associação para a Defesa do Músico Português, já que os gaiteiros de outras andanças têm estádios garantidos. Temos de sustentar as nossas megalomanias!
E lá vai chegando o cortejo dos passeantes, sem stress, a maioria de calções e tshirt ou camisolas sem mangas, elas de saias rabonas ou calças bem cingidas, mochila a tiracolo, ar ecológico, passo despreocupado de quem passou três dias sem as urgências do mundo urbano. E antes que lhes desse para almofadar as pernas em qualquer assento, o Presidente da Galandum anuncia os Toques do Caramulo, este grupo da d’Orfeu de Águeda, que arejou as cantigas do Caramulo. E foi um tal rodopiar, um tal frenesim de bailarico, um tal “mais, queremos mais” dos bailadores, que teria nascido com eles a madrugada, se não houvesse ainda o concerto do grupo Ginga, de Coimbra.
E se não são estes e outros gaiteiros a passear-nos por planaltos ou lameiros desertos do nosso interior, se não são estes e outros gaiteiros a proteger a música portuguesa, a defendê-la da extinção, a levar o arraial a sítios a fervilhar de gente e a outros a ressuscitar, se não são estes e outros gaiteiros a repor o povo a cantar e a dançar no terreiro ao som da gaita, então havemos de ficar mais e mais desertos, a abanar o capacete ao toque das modas emprestadas dos outros.
Ainda bem que a Galandum Galundaina e a AEPGA e outras associações organizam eventos culturais. Levam gentes à terra, promovem e divulgam a nossa cultura, permitem a interacção com outros, vão extinguindo a solidão, fomentam alegria.
Eles é que sabem!

Odete Ferreira

quinta-feira, 18 de maio de 2006

A música não tem fronteiras


Águeda é uma cidade pequena no tamanho mas grande culturalmente, onde a Associação Cultural d’Orfeu estabelece pontes culturais com o mundo. No universo cultural aguedense destacam-se inúmeros grupos etnográficos, bandas filarmónicas, grupos corais, grupos musicais bem como um pólo universitário, um conservatório de música e várias escolas que alimentam a vida cultural deste concelho.

Eu cheguei aqui como voluntária do SVE em Julho 2005 para integrar o grupo de voluntários da d’Orfeu e encontrei um espaço cultural aberto, entusiasta, pleno de energias positivas, onde eu recebi mais do que dei. A cultura, a música, a mentalidade, das pessoas, foram a porta para eu respirar o espírito português.

De início foi difícil para mim retribuir tudo aquilo que estava a receber. Era tão rica a experiência que eu não tinha como responder.
Um dia decidi partilhar a riqueza musical dos Balcãs com este gente de Águeda que tanto me estava a dar. Por isso comecei em formar um grupo integrando, de momento, o Orfeão de Águeda, sócios de d’Orfeu e simpatizantes de minha iniciativa, para tornar possível a interpretação da musica coral dos Balcãs.
O reportório que eu proponho inclui música sacra ortodoxa, música judaica e música popular da Sérvia. Os elementos do Orfeão são o principal corpo deste grupo, todos foram muito simpáticos comigo e aplaudiram o meu gesto, e esperamos a participação de todos os que gostam de cantar.
Penso que a música deve ser usada para romper todas as fronteiras, para unir todas as pessoas para juntar todos os que amam a arte.

Convido todos os grupos corais e todos as pessoas que gostam de cantar a integrarem este projecto para romper as fronteiras que temos. As inscrições estão abertas na d´Orfeu ou no Orfeão nos dias dos ensaios (quintas–feiras às 21h30).

Stanislava Pavlov, Águeda Abril 2006.

quinta-feira, 11 de maio de 2006

CLOWMIX - projecto de clownterapia


Existe a saudável, farta gargalhada mas existe também o sorriso doce que ilumina um rosto...
Que o rir tem efeitos positivos já é uma certeza científica, de facto esta demonstrado que rir é um fenómeno relaxante e purificativo das vias respiratórias superiores. Todo o corpo que ri relaxa-se. Desde quando se começa a rir o coração e a respiração aceleram, o ritmo das arterias baixa e os músculos relaxam. Diz-se também que a gargalhada combate a prisão de ventre porque provoca a ginástica abdominal. É por isso que a figura do palhaço é muito importante. O palhaço é aquele que faz rir e que nos leva ao mundo da fantasia e nos faz esquecer deste mundo triste e cinzento. Pensando nisso decidi começar a fazer de palhaço no hospital: para experimentar a trazer cores diferentes a um lugar onde muitas vezes tudo parece escuro.
Começei este meu trabalho na Itália com uma associação de palhaçoterapia no hospital da minha cidade . Esta para mim foi uma descoberta muito importante porque começei a perceber os efeitos positivos do bom humor. A criança hospitalizada deixa-se transportar para um mundo irreal através de jogos e brincadeiras; em frente dum palhaço a criança consegue de esquecer a própria condição de doente.
Foi assim que quando cheguei a Portugal por fazer o serviço voluntário europeu na d’Orfeu, decidi aproveitar esta minha possibilidade de trabalhar com uma associação cultural para trazer e desenvolver esta minha experiência.
A primeira fase do meu projecto de clowterapia, que chamei CLOWMIX, consistiu em encontrar outras pessoas que como eu são interessadas a figura do clown ou que queriam fazer uma nova experiência, queriam pôr-se no jogo.
Os outros voluntários que como eu estão a trabalhar com d’Orfeu e as pessoas de d’Orfeu foram para mi fundamental para transpôr o meu projecto da teoria à pratica. Conseguimos criar um grupo de mais ou menos sete pessoas que cada quinta-feira por turnos vão entreter os meninos do Hospital de Águeda.
Em 26 de Janeiro os primeiro palhaços fizeram entrada no hospital trazendo consigo balões, bolas, pintura, bolas d’água: todo o material necessário para corar o ambiente. As crianças ficaram espantadas e felizes e deixaram-se envolver sem problema. O pessoal hospitalar foi e continua a ser muito agradável, de facto dão-nos um óptimo apoio, porque muitas vezes é a primeira ponte entre nos palhaços e a criança.
Tive a possibilidade também de começar este projecto na Cerciag, de facto uma vez cada mês o nosso grupo de palhaços aparece ali cheio de alegria para brincar e jogar. O pessoal da Cerciag responde muito bem a nossa presença e cada encontro é transformado numa verdadeira festa.
Estou muito feliz com esta minha experiência porque com isto estou a aprender muitas coisas. A coisa mais importante que estou a aprender é abrir o meu coração aos outros sem medo e deixar-me transportar pela energia positiva que a ligação entre as pessoas cria.
Eu gostaria que este meu projecto fosse só um ponto de partida para a comunidade, gostaria que este projecto fosse aberto a todas as pessoas que querem partilhar amor...porque ser palhaço e sobretudo um estilo de vida.
Rir faz bem!

Sabina Galletto, Abril 2006

Testemunho Sabina Galletto


ERA um dia de quase verão quando eu, uma palhaçinha inexperiente, depois de muito viajar cheguei a uma cidade que para muitas pessoas (e agora também para mim) é o centro do mundo:...Águeda.
Águeda, pequena cidade de Portugal, que na aparência não tem nada mas na realidade tem tudo o que precisa, especialmente um grande coração chamado d’Orfeu.
d’Orfeu é o órgão batente da cidade, ou seja o órgão que dá ritmo, dinamismo e sobretudo paixão à mesma. d’Orfeu é um pequeno mundo onde a linguagem comum é a arte...qualquer expressão de arte é contemplada e partilhada.
Entrei assim, por acaso, neste mundo fantástico onde a princípio estranhei tanta lindeza e tanta paixão mas depois fiquei feliz por ter tanta sorte.
As pessoas acolheram-me com muito amor e acompanharam-me naquele que para mim era um novo mundo. Uma atmosfera de festa e de amizade ajudou-me a aprender muito, a abrir-me mais à vida e às coisas lindas. Aqui, neste pequeno mundo d’Orfeu, saboreei a, até agora, mais linda experiência da minha vida. Cada pessoa que conheci na d’Orfeu ensinou-me coisas importantes sobre mim e sobre a vida. Mas as pessoas que talvez me ensinaram mais foram os jovens da Cerciag do projecto de “arTErapia” que, com simplicidade, me demonstraram que as barreiras existem só se nós as criarmos. Foi importante para mim “palhaçar” em Portugal com a ajuda dos meus amigos Silva e Paulo, assim como criar e desenvolver o projecto “Clowmix” de palhaço-terapia no Hospital de Águeda. A rir e a brincar aprendi que a coisa mais importante é partilhar. Partilhar sensações, artes, problemas, tudo... para aprender a ficar melhor, a estar mais próximo dos outros, a sermos mais humanos.
E assim, passado um ano, está a chegar a hora de regressar à minha terra. Volto mais feliz, mais palhaçinha, com o coração aberto e cheio de amor pela vida e pela arte. Estou muito mais forte e segura, pronta e aberta a novas experiências.
Obrigado Portugal...Obrigada d’Orfeu!!

Sabina Galletto
Maio 2006

domingo, 7 de maio de 2006

Concerto do Culto de Orfeu

“Artistas…
Artistas ou seja criaturas inúteis, que fazem eles que preste, só depois de mortos os apreciam, (…) até admira que não coma a sopa dos pobres, o que a gente sonha para um filho e, vai na volta, prosas…”

A mãe de António Lobo Antunes a suspirar desgostosa

- Não conheces a Rosinha dos Limões, pois não, Lucinda?
- Sim, sim, a minha avó cantarolava-a muitas vezes, lembro-me bem,
quando ela passa, junto da minha janela…
E a Lucinda, uns trinta anos a ressumar amanhãs, enternecia-se de uma ternura de sépia, como se beijasse um retrato antigo. Em minha casa, era a minha mãe que trauteava a Rosinha, a minha mãe, que para os meus seis anos cantava melhor que a Amália!
Tive pena que a minha amiga não tivesse dado de caras com a Rosinha, “arranjada” pelo Culto de Orfeu, na noite de três de Maio, num concerto integrado na Feira do Livro, promovida pela Junta de Freguesia de Águeda. Ossos do ofício, queixa-se ela! Desta vez, a Rosinha trazia no cesto uma guitarra, umas colheres, uma concertina, uma flauta. E atrás dela, o Rogério, o Artur, o Bitocas e o Luís. Os Fernandes. Quem não conhece estes irmãos? Cá para mim, a avó deles também lhes trauteou a infância com a Rosinha dos Limões! Esperta a Rosinha! E ali, no teatro de bolso do Orfeão de Águeda, eu juro que vi limões em forma de notas, a dançarem no ar, os meus olhos atrás delas, as minhas mãos quase a agarrá-las, eu a levantar-me, eu quase a correr para o palco, e eles a arrecadarem a Rosinha a sete chaves, na alma dos instrumentos, e a ovação do público a estalar por todos os poros!
E afinal que fazem eles que preste? Quase me azedo de inveja!
Eles só nos enfeitiçam! Só nos fazem perder a compostura, rir, aplaudir, abanar o capacete, passar-nos mesmo, esquecer o déficit, as aulas de substituição, a idade da reforma, enfim aquele rol de coisas sérias que nos ajardinam o dia a dia!
É que, durante quase duas horas, ninguém segurou as pontas. Foi uma violência aquele cortejo de talento! Partiu-se de Águeda e andarilhou-se pelo resto do mundo. Com a segurança do Artur, a sobriedade do Rogério, a entrega do Bitocas e a paixão do Luís, que, se o deixassem, levantava voo e ainda hoje andava a flautear nas nuvens. Todos a electrizarem-nos.
Se o concerto fosse na Casa a Música, ou no Centro Cultural de Belém, quem sabe se mais peregrinos se juntavam àquela caminhada? Mas que aquela noite fica na memória de um teatro a rebentar pelas costuras, ah isso, que ninguém tenha a mais pequena dúvida! Artistas!

terça-feira, 21 de março de 2006

Espectáculo "Dez Anos Não É Nada"!

Imagine um palco que enche e esvazia ao ritmo da memória de dez anos intensos. Contemple a máquina do tempo e reviva, em catadupa, momentos de fruição que o país cultural conheceu sempre que deu palco à d'Orfeu. O embarque para a viagem pelos primeiros dez anos de criações da associação está marcado para a noite de 8 de Abril, no auditório do CEFAS.

"Dez Anos Não é Nada", o porto de todas as criações, será um espectáculo multidisciplinar no qual participam dezenas de artistas de hoje e de sempre na história criativa da associação, desde os tempos do Com Passos Simples até aos dias de hoje, recuperando ainda Culto de Orfeu, Biombo da Festa, Há Cá Eco Há, Os CantAutores, Andamento, Clave de Xuva e vários outros colectivos.
Cruzam o espectáculo ainda as criações actualmente em cena, como Toques do Caramulo, 4Portango, Muito Riso Muito Siso, PõePlay, Monólogo a Duas Vozes, Fogueira d'Estórias. Com tamanho entusiasmo, a máquina do tempo pode até ajudar a antecipar estreias de criações vindouras.

Quem, um dia, já tenha vibrado diante de um palco pisado por elenco d'Orfeu, vai certamente reviver sensações a 8 de Abril, numa festa em que as memórias vão inaugurar o futuro criativo da associação. Afinal, dez anos não é nada!

espectáculo "Dez Anos Não É Nada!" viagem pelos 10 anos de criações d'Orfeu
Sábado 8 de Abril 2006, 21h30, Auditório CEFAS, Águeda
Bilhetes a 4€ (descontos habituais com Cartão d'Orfeu) | Venda antecipada na d'Orfeu.

segunda-feira, 20 de março de 2006

O baile de bola!


Nunca fui a Carvalhais senão durante o Andanças. Nunca noutro momento entrei naquele recinto. Mas não será difícil imaginar o que ali se passa no resto do ano. Estou a ver os jogadores do Carvalhais Futebol Clube festejar os golos com estranhas coreografias de “An dro” com os mindinhos entrelaçados bem treinados desde a pré-época, em Agosto.

Tal só é estranho para os adeptos da equipa visitante, que assistem estúpidos ao espectáculo a que os artistas da bola se prestam nesses momentos de alegria… Já o público da casa não só aplaude como acaba por largar os guarda-chuvas (o futebol é um desporto de inverno) e engrossa a dança que se cria espontânea ao longo do campo. Isto, até que o árbitro apite para a bola ao centro.

E tudo recomeça. A bola é lançada em corrida para o extremo-direito que, ali pela zona da tenda 1, dá um nó-cego de mazurka ao adversário que se torna par involuntário de tal bailar. Dali, cruza para a pequena-área, onde a tenda 6 sempre abarrota de gente a fazer muralha para a baliza. O lance é pelo ar para aproveitar uma cabeçada vitoriosa durante a “7 Saltos”. A baliza está à mercê, mas desta vez a bola perde-se pela linha de fundo depois de o fiscal-de-linha ter assinalado indevidamente um feed-back.
O adversário retoma o baile pela outra lateral. A propósito, é usual a descida dos extremos quando os adversários sobem pelo seu corredor, cumprindo os passos de uma “chapelloise” bem ensaiada.
As incidências do baile são agora disputadas junto do quarteto defensivo habitualmente formado pelas tendas 2 a 5, onde predomina a marcação homem-a-homem (na pré-época é treinada com variantes). A táctica de circulação está bastante bem treinada nesta zona do terreno, onde perduram por toda a época desportiva os imaginários sulcos feitos por andançantes de tenda em tenda, facto que acaba por guiar as jogadas de mais fino recorte e, sem que antes alguém tivesse pensado nisso, acabam por conduzir o Carvalhais às suas maiores vitórias.

...

Acho que está na altura de os jornais desportivos começarem a fazer a cobertura do Andanças. É a causa de Carvalhais em Agosto ser caso de estudo.
Lembro-me quando, há dois ou três anos, o festival foi antecipado para o início de Agosto (realizava-se sempre na última semana) por causa, pasme-se, de fazer coincidir com os grandes festivais de Verão. Coincidir para preservar o ambiente – diziam -, evitando ser invadido por público que não o seu. Isto seria simplesmente impensável na cabeça de quem organize qualquer outro festival.
O Andanças é suficientemente único para ser esganado num rótulo. Aliás, não tente vender-se o Andanças nas revistas das especialidade. Está visto que é muito mais que um festival. O Andanças não joga em campeonatos e não disputa classificações (embora ganhe sempre!). É um festival que chega a todos na sua exacta medida, sendo a oferta de tal forma imensa que é impossível duas pessoas viverem o mesmo Andanças. O meu Andanças pessoal de 2005, por exemplo, magnificamente bem vivido, foi confrontado com igual número de concordâncias e discordâncias da boca dos meus mais próximos.
Criam-se espontaneamente momentos de folguedo nos lugares mais calmos, da mesma forma que os terreiros mais movimentados recebem, fora de horas, a mais pura das calmas.

E depois, a noite em que tocamos... Transportamos para cima do palco a proximidade criada em todas as outras horas com o público. Sem espanto, somos nós público daquele turbilhão de energia.

Praticamente nasceu em função do Andanças um grato trabalho de criação da d’Orfeu: Toques do Caramulo. O crescimento e estofo do espectáculo, é no retomar dos palcos do Andanças, ano após ano, que reencontra as suas sinergias e se lança em novo ciclo criativo. No percurso que trouxe Toques do Caramulo aos dias de hoje, desenvolveu-se um repertório vasto de recriações e cada vez mais ousados arranjos a partir do cancioneiro serrano, na ânsia de difundir um património musical retratado apenas nos convencionais formatos folclóricos. Danças e Toques do Caramulo, assim se chamava, surgiu em 2000 da parceria da d’Orfeu com um grupo folclórico – Associação Etnográfica Os Serranos - e incidia no repertório no seu estado puro, associado às próprias danças, com o qual chegámos a tocar para uma tenda vazia à mesma hora que a Rosa Paeda fazia abarrotar a tenda 6. Ainda não era o tempo das tendas cheias para nos dançar, como hoje acontece. A característica de ser dançado passou a reservar-se para o Andanças ou, quando muito, a outras iniciativas carimbo PX. Uma nova vocação de palco de Toques do Caramulo levou em 2005 à sua, até aí, mais carregada agenda, com dezenas de concertos por todo o país, tendo-se comprovado a capacidade de chegar a alguns importantes palco trad e world.
Foi no Andanças que este colectivo cresceu e ali viu marcadas as viragens do seu percurso, da mesma forma que assim terá seguramente acontecido com tantos outros. Falo de gente como Dazkarieh, Terrakota, Uxu Kalhus, Monte Lunai, Attambur, etc e tal. O que interessa mais perceber é que os grupos e os músicos continuam a fazer questão de ir ao Andanças, seja a que preço for. E o preço de ir ao Andanças é, como se sabe, com condições a léguas dos riders técnicos habituais, arriscar ter ali um dos melhores concertos do ano.

...

Cá está o motivo porque ninguém quer falhar a pré-época. Todos querem um lugar na equipa para o resto da temporada. E nisso de contar com todos, a Pé de Xumbo sabe-a toda.
A PX é parceira por vocação, não consegue livrar-se desse impulso de partilha. Não sabemos ainda hoje como foi aquilo de, na primeira vez que alguns de nós subimos ao Andanças, ainda na Gralheira, darmo-nos conta de descontos para sócios da d’Orfeu (como constava no livrinho-programa dessa edição), sem que alguém da PX conhecesse, à data, uma alma de Águeda que fosse. Como não podíamos ter ficado, a partir daí, prisioneiros de muitas e boas andanças?


Texto de Luís Fernandes (Toques do Caramulo / d’Orfeu) no livro comemorativo de 10 anos do Andanças "Contra Danças Não Há Argumentos"