domingo, 20 de agosto de 2000

Crónicas dos dias de Leicester II

Leicester descansou dois dias.

Domingo, em Coventry, onde tocámos para umas centenas largas de jovens de todo o mundo, no simpósio mundial "Values Have no Boundaries - Action For the Millennium" (fonte: a t-shirt que nos ofereceram), demos de caras com uns trinta portugueses. Tempo apenas para algumas conversas arranhadas num português em evidente mau estado, dada a fraca utilização por estas bandas. Ainda assim, e apesar das rudimentares condições técnicas, a nossa actuação foi um momento de euforia nacional.

Segunda-feira, em Londres, começou por causar estranheza o Big-Ben ser quase tão baixo como a Torre de Belém: a velha falibilidade dos postais. Depois, em frente ao Palácio de Buckingham, indignou-nos a rainha não ter saído à nossa passagem. Entretanto, a presença de David Beckham e a sua respectiva Spice Girl era motivo de uma grande romaria na Virgin Megastore mais central de Londres. Neste caso não era prudente o casal ter saído quando passámos, o que se compreende. A visita agitada acabou por sossegar para a tarde (levo essencialmente a experiência que os bancos de jardim de Londres são duros para dormir uma sesta).

Quando ninguém contava (até eu já tinha mudado o parágrafo), eis que em Londres estava "Lady" Raquel, também ela d'Orfeu. A feliz coincidência do encontro deveu-se a um ocasional palavreado captado numa loja de "souvenirs", atentando contra o preço das coisas numa linguagem familiar que me deteve. Bom, dos breves momentos conjuntos tiraram-se fotografias para provar que foi verdade.

O resto da semana foi dedicada a trabalho intenso nos workshops de design de t-shirt, de página web e de música. Repetidamente na Youth House toca hoje o CD com os três temas compostos e gravados no estúdio por portugueses, estónios e belgas, tendo Joe como técnico de som, ele que no mesmíssimo local já gravou os portugueses "Blackout" e "Hands on Approach". Aliás, foi em estúdio que dois dos belgas, John e Carmelo, se revelaram belíssimos músicos, eles que até aí eram apenas conhecidos do bilhar e das partidas de futebol no ginásio. Os estónios continuavam com resistência todo-o-terreno: impressionou especialmente o conforto dos seus pés descalços no refeitório da Youth House, onde todo o chão é laje. Fria. Em Inglaterra. Certo é que para eles tudo deve ser mais quente que a escandinava Estónia. No capítulo gastronómico, pouco ou nada melhorou nos dias de Leicester. Apenas se condimentam os momentos sofridos de algumas refeições, com "cromos" como Urmas, que se destacou na divina arte de enchafurdar ketchup em tudo o que tivesse aspecto comestível. O sortimento de ketchup da Youth House sofreu duro golpe nestes dias.

Também sofrido foi o jantar de bacalhau assado no forno confeccionado pelas portuguesas, sob as ordens da chefe Ana Balreira. O demolho feito pelos ingleses, comprovado nos escritos da embalagem, não terá durado meia-hora, pelo que o jantar foi particularmente salgado. Ainda assim, a delícia do tempero e o desvio dos fritos ingleses foram tudo para nós naquela noite.

As animadas noites de Leicester, na Youth House e arredores, com rotinas dedicadas a cerveja e a serenatas, conheceram mais uns capítulos nos últimos dias.

Quarta-feira, no centenário café West Cotes, jogámos "skittles", uma espécie de antepassado do bowling, com mecos rudimentares q.b. e numa sala com o encanto dos milhares de partidas ali jogadas.

Quinta, voltámos ao Shed. Registou-se nova euforia dos ingleses perante os excêntricos jovens músicos portugueses. Kenny ("the one man show" de que se falava na primeira crónica) mais uma vez teve pouco que fazer e, enquanto tocou, não esteve sozinho a animar as hostes. Ontem, sexta, Eddie (baterista de uma conhecida banda de Leicester e brilhante relações públicas da Youth House) levou-nos ao Guadi Bar, onde tomámos o último copo com irmãos estónios e belgas, eles que já hoje, manhã cedo para uns, noite tarde para outros, rumaram aos seus mundos de sempre. O mundo dos dias de Leicester foi um sonho, a dream, un rêve, uks unistus. Os nove portugueses têm mais dois dias de Leicester. Em trãnsito só.

Daqui a pouco, Mike leva-me a assistir ao Leicester X Aston Villa em futebol. Havemos de nos divertir no tempo que falta.

Goodbye Leicester!

Luís Fernandes

domingo, 13 de agosto de 2000

Crónicas dos dias de Leicester I

O "Abbey Park Show Festival" decorreu ontem, todo o sábado, no maior parque de Leicester. Este festival anual junta num só dia para cima de 30.000 pessoas e , entre eles, lá estivemos portugueses, estónios e belgas, a viver de perto um ambiente mais próprio de woodstock. Para além da animação de 5 palcos com o que de melhor existe na pop britânica, de milhentas diversões como na festa das Almas da Areosa mas muito maior e, a cada metro, uma roulotte de hambúrguer e batatas fritas, coube a Leicester um dia de sol escaldante. Em Portugal não estaria tão quente. A quase "desinteria" colectiva dos "fast foods" acumulados, mas os caminhos de ida e volta para o Abbet Park (uma hora a pé para cada lado) deixou KO toda a população da Youth House. Já "em casa", ao serão, houve mãos arduamente disputadas, reconhecidas pelos poderes das suas massagens. Costas recuperadas de sestas na relva, a noite segui, como se nada tivesse acontecido.
Portugueses e companhia voltaram a marcar a noite de Leicester.

Os dias de Leicester, para nós nada dependem do cinzento do tempo que faz (que até nem é tanto como se pinta). Mike e a sua equipa sonharam com a Youth House e aqui nos têm, a nós portugueses, aos belgas (os mais próximos do sentir latino) e aos estónios (esbeltas e bárbaros), tal como têm, todo o ano, a companhia de dezenas de comitivas de jovens oriundos de todo os estados membros da UE, ao abrigo deste ou daquele programa, no âmbito deste ou daquele intercâmbio. Tudo acontece na Youth House. É da Youth House que envio esta crónica. O tempo dos dias, perdemos-lhe sempre a conta, entre as incontáveis actividades Em inglês se fala! Invariavelmente, os instrumentos saem do saco e há por aqui música como nunca se ouviu. para Águeda levaremos um sonho mais. Daqueles que nos habituámos já a pensar que se concretizam. Vem cá, Europa!

Da Youth House, já sabemos, um complexo moderno construído há dois anos, cuja missão primeira é continuamente receber jovens da UE e desenvolver projectos multi-nacionais na área da música com a intervenção das novas tecnologias. Paredes meias com o corredor dos alojamentos, um senhor estúdio de gravação. Ao que se vai sabendo, aqui gravaram já algumas bandas pop-rock portuguesas. Aliás, é bem visível por toda a Youth House, a omnipresença portuguesa, num enorme poster do Festival Mundial da Juventude 98 em Lisboa e em inúmeras fotos expostas de gente que dizem ser portugueses, ora posados por estas bandas, ora com a presença destes ingleses em Évora, no Pinhal Novo ou em Lisboa.

O que eles gostam de portugueses confirmou-e-me mquando perguntei ao Mike, entre copos no Shed Club, porquê o convite aos portuguesas. O Paulo Brites estivera aqui em Novembro, com vinte representantes de outros países. Deste leque saíram convites para a Grécia (que não veio), Estónia, Bélgica e Portugal, para trazerem, agora sim, uma comitiva alargada e, sob o signo da música, concretizarem um projecto multi-nacional. Mike não precisava ter respondido, apesar de o ter feito (eu é que não pesquei tudo o que ele disse): apontou, com um sorriso encantado, para o Joca e para o Bruno que, a essa hora tocavam com o "one man show" contratado pela casa. Ainda assim, apanhei-lhe um sentido "I like the portuguese people". Essa noite no Shed (quinta-feira passada) foi de arromba, com todos os nove portugueses a brilhar. AO ponto de Mr. Rodrigo, professor catedrático da Universidade de Leicester e assiduo cliente do Club, reclamar ter sido a sua melhor noite no Shed, o que exprimiu em português quase correcto.

Excepção feita a essa noite no Shed (cujas torneiras fecharam tradissimo, vá-se lá saber porquês), todas as noites vemos os bares fecharem o balcão às onze da noite. Ao fim-de-semana, fecham especialmente tarde...às onze e vinte. Mesquinhos estes ingleses. O que não nos tem impedido de prolongar a "paraa"poeruguesa, Youyh House adentro, com serenatas toda a noite, batendo todo o sector feminino, porta sim porta sim. Ao fim destes cinco dias, este tipo de movimentação é já ritual e tem cada vez mais aderentes. Até à data, também já os belgas partilham os mesmos acordes e o mesmo sentido estratégico, com Vito, um filho de emigrantes italianos na Bélgica - à cabeça.
Quando está tudo acordado, vamos para a porta da Youth House, tocar para o quente destas noites de Leicester. A cidade não está em polvorosa, mas sente-se aqui e ali o reboliço satisfeito de gente de Águeda na rua.